Um olhar geral sobre jovens que optaram abdicar a formação superior para seguir o sonho de se tornar artista.
 
por Daniele Seridório
Um dos momentos mais difíceis na vida de um adolescente é aquele no qual se escolhe a profissão, além de todo o estresse causado pelo vestibular, o jovem precisa analisar qual será o seu futuro profissional, qual é a sua aptidão. Contudo, para alguns, esse momento é cercado por dúvidas mais conflituosas, eles já decidiram a profissão, cabe agora a coragem de lutar por um mercado profissional incerto deixando de lado a oportunidade de cursar o ensino superior.
 
Ainda assim, mesmo decido a seguir esse caminho o jovem enfrenta outros problemas, a falta de apoio dos pais e da família e a não compreensão dos colegas que vêem na faculdade alternativa única para sucesso profissional. Existe também a sombra do fracasso, já que o sucesso do artista depende da aprovação do público e crítica. Ademais, a sociedade impôs o perfil do profissional jovem e bem sucedido, sendo assim, o jovem artista vê que caso fracasse,  dificilmente terá outra chance de conquistar uma vaga de destaque no mercado em outra profissão.
 
A bailarina de 19 anos Olívia Pureza não pensa assim, ela não vê limitação de idade para a carreira acadêmica, e alega a existência dessa limitação do balé. “Meu corpo estará assim até os meus 30 anos”. Dançarina desde os 11 anos de idade, Olívia percebeu que o balé deixou de ser apenas um hobby aos 14, e dois anos mais tarde se mudou para São Paulo para dançar por uma companhia, recebendo salário mensal como qualquer outro profissional. Atualmente, ela tem planos de ir para o exterior para obter mais destaque no mundo da dança.
 
Enquanto Olívia tenta consolidar sua carreira como bailarina, o músico Netto Rockfeller colhe os frutos de anos de dedicação ao jazz e ao blues. Ele também decidiu ser artista aos 14 anos, e hoje, aos 26, mantém sua família com o dinheiro que tira da música, mas afirma que a incerteza do salário no final do mês ainda é uma das maiores dificuldades da profissão.
 
É justamente a incerteza do sucesso profissional que faz a carreira de artista ser um risco. Olívia que conciliou os dois últimos anos do ensino médio com os ensaios, disse que concluir os estudos exigiu muito de si. “Quando se tem ensaios que varam a tarde e terminam às onze horas da noite fica complicado acordar no outro dia, quem dirá estudar e fazer lição de casa”.
 
 Além disso, disse que seus pais não viam com bons olhos sua escolha profissional, ela os convenceu gradativamente, e prometeu que teria outra alternativa profissional caso ser bailarina não lhe garantisse uma vida confortável. “Até existe quem consiga viver de balé mesmo depois de parar de dançar, mas eu gosto da ideia de voltar a estudar, talvez algo na área de exatas”. Netto, por outro lado, afirma que ele sempre teve certeza que queria algo que estava além da sala de aula. “Tive vontade algumas vezes de fazer um curso superior, comecei um, mas deixei depois dos primeiros meses, o que eu realmente queria estava escondido atrás dos discos”.
 
Apesar de incerta a carreira artística é atrativa para os jovens, pois é relacionada ao entretenimento e possibilita reconhecimento direto do público, contudo não é para todos, a aptidão profissional para esse caso é tida por muitos especialistas como algo inato. Acredita-se que dançar, cantar e pintar é um dom, e que mesmo com muito treino e prática não seria possível atingir o nível de quem nasce para isso. A psicóloga especializada em orientação profissional Simone Cipriano faz parte desse grupo. “Não se aprende a ser artista, a pessoa já nasce com esse dom. Vocação é algo inato”.
 
 Simone explica que a orientação vocacional não trabalha o jovem individualmente, primeiramente são feitas dinâmicas em grupo para que depois a peculiaridade de cada um seja analisada. “Trabalhamos em cima da realidade de cada orientando, assim ele consegue perceber sua real satisfação considerando as exigências de cada profissão”. Ela  também defende que não é necessário ter um diploma universitário para se realizar profissionalmente, pois afirma que o reconhecimento sempre vem para quem se dedica e realiza com prazer seus projetos.
 
Contudo, há quem não pense assim, para o estudante de Artes Plásticas Renan Silvério o curso de graduação permite a formação completa do artista. Ele defende a coexistência da arte e da história. “Para ser um artista deve-se entender arte e saber tudo o que foi feito até hoje. E perceber como eles se apropriaram da pintura, da escultura e da fotografia para a contenção, manipulação, orientação do povo tanto no cunho político como cultural”.
 
 Renan explicou que o panorama da arte mudou, a arte acadêmica e realista morreu no século XVII, e que atualmente, para se criar arte contemporânea é preciso situá-la no tempo. “Não adianta você ter a sua produção, com a sua visão, sem obter uma arte mais abrangente. É preciso que as pessoas entendam a sua arte”. Renan acredita no inatismo artístico, mas garante que se a arte produzida não adquirir contemporaneidade dificilmente o artista viverá de suas obras. “Van Gogh, por exemplo, era intuitivo, não tinha técnica e pintava. Contudo, morreu de fome, pois não foi compreendido em seu tempo. E é essa noção de tempo que o artista adquire com o estudo”.
 
Os cursos artísticos ainda são pouco procurados nos principais vestibulares do país, em 2009, dos quase 140 mil inscritos para o vestibular da Universidade de São Paulo em 2009, pouco mais de 1.400 concorriam por vagas nos cursos de música e artes plásticas. Além disso, por mais que um diploma de graduação pareça algo comum hoje em dia, o INEP divulgou em 2007, que apenas 15% dos jovens brasileiros que tem entre 18 e 24 anos estão matriculados em alguma instituição de nível superior. A realidade é que muitos jovens projetam na carreira artística a única chance de mudar de vida, pois se vêem excluídos em uma sociedade que exige do profissional cada vez mais anos de estudo. Se há quem abdique um diploma universitário por opção, ainda existe aquele jovem que, infelizmente, vê na carreira artística sua única chance.
 
Profissão Artista
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Trabalho publicado pela revista digital Aliás

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