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Quando a justiça erra, a quem recorrer?

Alguém sabe em que parte do poço estamos? Alguns dizem que no fundo. Os últimos acontecimentos da vida política brasileira nos levam a duas suposições: de quem há tempos chegamos ao fundo do poço e que nele há areia movediça ou que ainda não chegamos ao fundo, apesar da tamanha decepção que agora nos abate.

Enquanto os dias vindouros não jogam água fria em nossa já fria esperança, o prato servido é amargo, descrença é a nota tônica. Tal sentimento não é, contudo, estranho ao povo brasileiro, estranha foi a postura degradante de uma das instituições que deveriam zelar pela justiça e as boas práticas políticas andando de braços dados com a imoralidade, dando a ela sobrevida. Sim, essa imoralidade hoje tem um nome, Michel Temer, com o aval de uma massa política igualmente corrupta. Estranhos e pífios foram os argumentos usados na busca de se preservar um governo desgastado. O “rigor” que fez cair Dilma se acovardou em fazer o mesmo com Temer.

O que se viu sobre a “sala da justiça” foi uma verdadeira lona patética, diante do ao vivo e a cores ficou evidente que boa parte dos ministros além de vestirem a capa preta, símbolo da imparcialidade e da honestidade, vestiram a camisa da impunidade, a troco de quê? “Estancar a sangria", alguém ainda tem dúvida?

Um caso à parte no julgamento foram as declarações toscas do Presidente do Supremo Tribunal Eleitoral (TSE). “Não se substitui um presidente da República a toda hora. A Constituição valoriza a soberania popular, a despeito dos valores das nossas decisões. Mas é muito relevante. A cassação de mandato deve ocorrer em situações inequívocas”, argumentou Gilmar Mendes ao dar seu voto a favor da absolvição da chapa julgada. Pela fala grave do presidente da corte até parece que o ar político extremamente poluído que hora respiramos é uma armação popular, é como se todos fossemos petistas inconformados com o “golpe” e agora fazemos birra. Gilmar parece estar alheio ao mar de acusações que pesam sobre Temer, a mais quente delas divulgadas nas páginas da Veja, “Agora é guerra: Temer aciona serviço secreto para bisbilhotar Fachin”.

Não há estabilidade quando há crise de representatividade política, isso é básico e mesmo alguém não tão articulado nas palavras como Gilmar Mendes é capaz de compreender. Não há governabilidade onde sobram acusações, contradições e muita desconfiança. Nossas crises derivam de uma crise. Qualquer cidadão que tenha sua conduta questionada, qualquer um que levante suspeita deve ser investigado, julgado e se comprovado o dolo, penalizado, ainda que este seja o presidente da república. Estabilidade não deve servir de base para a impunidade.

O legado deixado pelo STE num dos momentos mais emblemáticos de sua história é vergonhoso. A imagem da justiça como imparcial ao usar uma venda foi deturbada, o que vimos e ouvimos remonta a crítica estampada numa das obras de Sebastian Brant, A Nave dos Loucos, de 1494, tida como perdida, à deriva, sem rumo.

Diante do cenário de descredito, escampando para alguns a Lava Jato e o juiz Sérgio Moro, discursos como o de Bolsonaro tendem a ganhar força, por isso, acreditamos que chegaremos em queda livre ao o fundo do poço em 2018. Na busca radical de uma saída pior pode ficar. Perdidos em alguma parte do poço a esperança de uma luz no fim do túnel é a última que morre.

Por Joaquim Cantanhêde
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