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Jornal Contraponto - Maio/2011

 O futuro incerto de uma profissão UNESCO defende crianção de Faculdades de Jornalismo, mas diretrizes do MEC deturpam a proposta
     “Odesafio para qualquer jornalista é apresentar os fatos de um ângulointeressante e relevante. Isto exige habilidades avançadas de verificação deinformações, adquiridas em experiências educacionais multi-disciplinares”. Écom estre preâmbulo que a UNESCO identificou, no começo de fevereiro em seusite, o arquivo em português com o novo Modelo Curricular da UNESCO para oensino do jornalismo. O objetivo do documento é de enriquecer o debate acerca danecessidade de se criar uma Faculdade de Jornalismo no Brasil e pode ter grandeimportância na discussão envolvendo a retirada de tal curso do campo daComunicação Social. O modelo foi traduzido recentemente para oito línguas.
     Na descrição montada pela UNESCO, “o Modelo Curricular não pretendeser prescritivo, mas, sim, fornecer modelos para serem adaptados por educadoresda área de Jornalismo para atender às necessidades locais conforme os recursosdisponíveis”. A Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação(CNE) montou uma reunião para a discussão das medidas declaradas pela cátedra eincluiu em sua apresentação as medidas que o Ministério da Educação (MEC) desenvolveupara os novos cursos de Jornalismo, as chamadas Diretrizes CurricularesNacionais para o Curso de Jornalismo, cujo relatório foi emitido em 2009.Muitos especialistas que antes eram a favor da união de cursos como Jornalismo,Publicidade e Propaganda, Relações Públicas e outros em um mesmo campo deestudo agora apóiam a decisão recente. O professor Luiz Gonzaga Motta, que fazparte da Comissão de Especialistas envolvida no caso, acredita que “ojornalismo está em crise em todo o mundo. Crise originada pelas novastecnologias, crise no negócio do jornalismo, nas práticas profissionais e nosconteúdos oferecidos. A crise traz desafios inéditos para a formação dojornalista”, como foi constatado na declaração da UNESCO. Outra especialistaintegrante da Comissão, Sonia Virginia Moreira, acrescenta: “A versão emportuguês do “Modelo Curricular da UNESCO para o ensino do jornalismo”considera todos esses aspectos e chega a boa hora no Brasil, ao contribuir comelementos claros e precisos para o debate inadiável sobre os caminhos possíveispara a formação em um campo que se mantém relevante para a sociedade”. Porém,ainda há dúvidas sobre o que estas Diretrizes Curriculares significam e comofuncionam, sem mencionar as alterações que trariam para todas as Faculdades deComunicação Social que existem atualmente.

MEC e o Jornalismo
     A comissão de especialistas nomeada pela Portaria MEC-SESUrecebeu do Ministro Fernando Haddad a missão de repensar o ensino de jornalismono contexto de uma sociedade em processo de transformação. Trata-se do fenômenodecorrente do fortalecimento da democracia, no qual o jornalismo, assim comooutras áreas de conhecimento, desempenha papel decisivo, informando a populaçãoe formando correntes de opinião.
     Nesse contexto, a comissão empossada no dia 19de fevereiro de 2009, sob a presidência do professor José Marques de Melo eintegrada por Alfredo Vizeu, Carlos Chaparro, Eduardo Meditsch, Lucia Araújo eSergio Mattos, além dos já citados Luiz Gonzaga Motta e Sonia Virginia Moreira;criou o texto “Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Jornalismo -Relatório da Comissão de Especialistas instituída pelo Ministério da Educação”.
     Diretrizes Curriculares sãodocumentos em forma de decretos nacionais que decidem os elementos dos cursosde graduação nas universidades brasileiras. A partir disso, o curso dejornalismo é guiado pelas Diretrizes para a área de Comunicação Social,elaboradas em 2002 que prevê que independente de cursar Jornalismo, Publicidadee Propaganda, Relações Públicas, Rádio e TV, entre outras, todos terão umaformação comum de comunicadores sociais.
     Porém, as diretrizes vêm para “contrapor”isso. Há algum tempo, o Ministério Público vem com a proposta de desmembrar ashabilitações de Comunicação Social e criar cursos separados por acreditarjustamente que não existe esse tronco comum que unifica os possíveiscomunicadores.
     Foram realizadas três audiências públicas, abertas àparticipação de todos os agentes dos processos jornalísticos: no Rio de Janeiroprofessores, estudantes, pesquisadores, dirigentes de escolas, cursos,departamentos de ensino e pesquisa; no Recife, contou-se com a participação dacomunidade profissional, representada pelas organizações sindicais oucorporativas: empresas, setor público e terceiro setor; em São Paulo manifestaram-selideranças e representantes da sociedade civil organizada: advogados,educadores, religiosos, psicólogos, ecologistas e outros segmentoscomunitários.
     Porém, é importante levar em conta que essas audiências tiveramum caráter mais expositivo, onde a idéia foi apresentada e colocada como umadecisão já tomada, e pouco, de fato, foi argumentado ou contra-argumentado. Para o MEC, separar o jornalismoda área de Comunicação Social resulta em uma formação mais técnica, padronizada,pouco crítica e voltada ao “comercial”, o que foge da intenção dos cursos demuitas faculdades.

Diretrizes
     As iniciativas recomendadas para a melhoria dos cursos degraduação, no contexto das novas regras para oexercício profissional determinadas pelo MEC, enfatizam pontos principais dagraduação para Jornalismo, como a organização do curso, as matérias que neleserão estudadas, a formação do indivíduo e o estágio. Porém, dentro destesconceitos, há propostas que são constantemente estranhadas por estudiosos eestudantes de Comunicação Social.
     Algumas propostas mostram medidasrelevantes, porém certos pontos podem levantar preocupação. Por exemplo, épossível notar medidas importantes como:
· Tercomo eixo do desenvolvimento curricular as necessidades de informação e deexpressão dialógica dos indivíduos e da sociedade;
· Promovera integração teoria/prática e a interdisciplinaridade entre os eixos dedesenvolvimento curricular;
· Propiciara interação permanente do aluno com fontes, profissionais e públicos dojornalismo desde o início de sua formação, estimulando o aluno a lidar comproblemas reais, assumindo responsabilidades crescentes compatíveis com seugrau de autonomia.

     Emcontrapartida, surgem três tópicos que podem gerar dúvidas, como estes:
· Inserirprecocemente o aluno em atividades didáticas relevantes para a sua futura vidaprofissional;
· Regulamentaçãodas atividades de estágio curricular supervisionado, contendo suas diferentesformas e condições de realização;
· Darênfase ao espírito empreendedor e ao domínio científico que gerem pesquisas aoconceber executar e avaliar projetos inovadores capazes de dar conta dasexigências contemporâneas e de ampliar a atuação profissional a novos campos,projetando a função social da profissão em contextos ainda não delineados nopresente.

     Aomesmo tempo em que o MEC apresenta medidas essenciais para um curso degraduação, especialmente na graduação em Jornalismo, ele também colocaargumentos que põem em cheque a real intenção das Diretrizes Curriculares. Aolongo do texto é dada a ênfase de que o jornalista deve ter uma graduaçãohumanista de certo modo, e tal ponto também está de acordo com o “Modelocurricular da UNESCO para o ensino do jornalismo”.

Opiniões
     Na finalização dodocumento, há uma grande ênfase na ideia de que é necessária uma “competência específica exigidapara exercer a responsabilidade social do Jornalismo, recomendada uma formaçãofundamentada na ética, na competência técnica, no discernimento social e nacapacidade crítica, habilidades que só podem ser adquiridas em uma sólidaformação superior própria”.
     Em 2009, após a apresentação das medidas, o professor daUniversidade Federal Fluminense (UFF) Afonso Albuquerque se manifestoujuntamente com o professor da Universidade Estadual do Rio De Janeiro (UERJ)Erick Felinto sobre o assunto e ambos acreditam que tal discussão ainda nãoestá terminada. Felinto problematiza: "O que me parece realmente assustador é a concepçãode comunicação (bem como da produção do conhecimento e da formaçãouniversitária) que estrutura essa reforma. Em primeiro lugar, essa concepçãoessencializa realidades histórica e culturalmente determinadas, como ojornalismo ou o cinema, transformando-as em idéias platônicas”. Albuquerque acredita que “o verdadeiro objetivo da reforma é deter a evolução daformação superior em comunicação. Evolução inevitável, dado que as coisas estãomudando, e estão mudando rapidamente. Querer parar a história a golpes deburocracia é algo que nunca dá certo".
     Para a Enecos (Executiva Nacionaldos Estudantes de Comunicação Social), a posição estabelecida sobre esteassunto é a que “todo publicitário, jornalista,cineasta ou relações públicas é, antes de qualquer coisa, um comunicadorsocial. Logo, o profissional não deixa de ser comunicador social para se tornarum jornalista, ou deixa de ser um jornalista para se tornar um comunicadorsocial. Os dois coexistem na figura do trabalhador da comunicação de maneirasimultânea. Essa coexistência deve existir não só no jornalista, mas em todasas outras habilitações da comunicação social”. E ainda acrescentam: “Precisamosde uma formação mais ampla e mais cuidadosa com nossos comunicadores sociais.Um curso que dê ao estudante a capacidade de entender a função social de suaprofissão, que possa capacitá-lo a dominar e refletir sobre suas técnicas alémde proporcioná-los a vivência junto à sociedade é extremamente importante edevemos lutar por ele”. A discussão provavelmente será retomada no dia 5 dejunho, quando ocorrer a próxima reunião do Conselho Nacional de Educação(CNE).
     Em suma, fica claro que as novasDiretrizes do MEC flertam com a pós-modernidade e suas características, o quepode não significar algo ruim se for balanceada com uma formação humanista parajornalistas. Porém, pelo que foi apresentado durante a leitura do documento,ainda há traços fortes de uma grande “comercialização” do curso e algumasinstâncias soam confusas e talvez equivocadas dependendo do ponto de vista,fato que pode ser disfarçado a partir de outras medidas mencionadas no mesmotexto. Cabe ao MEC e à UNESCO decidirem que rumo tomar nesta decisão queafetará muitos estudantes e futuros profissionais.
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BOX - Opiniões da reitora da PUC-SP

     Em entrevista ao Contraponto, oreitor da PUC-SP, Dirceu de Mello, afirmou ter se surpreendido com a cátedra daUNESCO com a finalidade de criar uma faculdade específica de jornalismo, umavez que a idéia de uma faculdade separada da FAFICLA (Faculdade de Filosofia,Comunicação, Letras e Artes localizada no prédio Comfil da PUC-SP) já faziaparte das propostas do atual reitor.
     Quando questionado sobre o que umcurso de jornalismo precisa para formar um bom profissional, Dirceu respondeu erelembrou os moldes do antigo jornalismo: “Antigamente o jornalista não tinhaquase nada de teoria. Ia trabalhar em um jornal e pronto. Ele só aprendia naprática, o que de certo modo ocasionava uma grande lacuna quanto aos conceitosteóricos que seriam necessários para uma formação crítica e bem fundamentada.Um bom profissional precisa conhecer a fundo do que fala, por isso a teoria sefaz tão necessária. É preciso conhecer a história, as causas e conseqüências deum determinado fato para que a prática jornalística seja a melhor possível. Esendo assim, um curso de jornalismo precisa encontrar esse equilíbrio. Ter bonsprofessores, com aulas de teoria ricas em conteúdo intelectual e aexperimentação do jornalismo por meio das aulas de laboratório, por exemplo.”
     Umdos comprometimentos de Dirceu durante as últimas eleições para reitor foi acriação de uma faculdade de Jornalismo, o que excluiria este curso da FAFICLA. Eleinformou que a situação desse projeto se encontra em andamento e de antemãoavisou: “Isso não depende só de mim. Há uma série de passos a serem dados, paraque isso de fato ocorra e seja aprovado.”
     Segundo Dirceu, os passos para a criação de uma faculdadede jornalismo na PUC-SP são diversos, contando com a manifestação e aprovação de alguns conselhos da universidade, como da Pró-Reitoria de Graduação do Departamento de Jornalismo, do Conselho da Faculdade, do Conselho Superior de Administração (Consad), entre outros. A manifestação do Conselho da Faculdade já não foi favorável, mas segundo o reitor isto não tem significado definitivo. O Contraponto procurou a direção da faculdade, responsável também pelo Conselho da Faculdade, mas a entrevista não pode ser marcada devido à indisponibilidade do responsável.
     O reitor enfatizou ainda que com a preocupação da UNESCO no assunto, a situação ficará mais favorável. Quando foi indagado se levaria o projeto adiante mesmo sem a aprovação da diretora da FAFICLA, ele respondeu que "certas coisas não se dizem, mas é questão de incluir e concluir".

Jornal Contraponto - Maio/2011
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Jornal Contraponto - Maio/2011

Matéria sobre a criação de faculdades de jornalismo no Brasil e as dificuldades que se encontram neste projeto. Publicada em maio de 2011 pelo Jo Read More

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