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MULHERES DO QUILOMBO RIO DOS MACACOS

Projeto de Pesquisa
Mulheres Do Quilombo Rio dos Macacos: Invisibilidade, Identidade e Memória
Muitas instituições quilombolas permanecem vivas nos dias atuais na diáspora. Firmando-se a partir do pertencimento identitário com base nas mesmas terras que viveram seus antepassados. Quando autodeclarados remanescentes de quilombos, o Decreto 4.887/03 no artigo 2º da Constituição, teoricamente protege e asseguram direitos a essas comunidades. O Rio dos Macacos, localizada dentro da base Naval de Aratu em Simões Filho, região metropolitana de Salvador, Bahia, é uma das comunidades autodeclarada remanescente de quilombo, que visa à perpetuação das memórias e cultura dos seus ancestrais. Entretanto, o quilombo encontra-se em disputa territorial, desde o início da década de 1960, quando partes das terras foram ocupadas pela Marinha do Brasil para a construção da Barragem Rio dos Macacos que auxilia no abastecimento do complexo industrial da região. Posteriormente, em 1972, a conjuntura intensificou com o levantamento da Vila Naval de Aratu. Causando o processo de gentrificação e alteração das dinâmicas na composição local. Muitas famílias residentes foram expulsas a base de agressões físicas, o acesso principal a comunidade quilombola foi destruído, limitando o ingresso dos moradores que resistiram à desocupação local. 
O quilombo Rio dos Macacos trava uma luta contra a exclusão histórica, implicações étnicas raciais, antiescravista, em prol de políticas públicas, acessibilidade de locomoção e visibilidade das identidades culturais. A formação e organização da comunidade sustenta-se na liderança e poder feminino. Potência que sempre foi colocada na condição de incapaz, subordinada e submissa. Por isso, como forma de contrapor a desigualdade de gênero, coletamos memórias e vivências das mulheres do Quilombo Rio dos Macacos, no qual uma de suas principais lideranças é uma mulher negra, Rosimeire Santos Silva. O estudo surge para entendermos e registrarmos a comunidade a partir do olhar feminino, do poder foco-matriarcal, e para reconstruir trajetórias dando a devida importância e valorização das mulheres quilombolas.
As mulheres negras enquanto lideranças, depositoras de saberes, e da força feminina, sempre foram autoridade pelos poderes que detinham. Na presente pesquisa, resgatamos as vivências das mulheres quilombolas para ocupar um novo lugar, deixando a posição do silenciamento e tornado-as protagonistas de suas próprias narrativas. 
Falar é um aspecto milenar e sagrado, carrega poder de cura ou destruição. Na
África Ocidental, griô é o responsável pela palavra, aquele que é respeitado e ouvido.
Nesse sentido, contar histórias, para além de trocar conhecimento é a oferta da viva memória de uma linguagem comum propagada de geração em geração, representando o patrimônio africano. No quilombo encontramos a Albertina Araújo
dos Santos, conhecida como dona Biu, é cantadora de samba, moradora e uma das
lideranças do Rio dos Macacos. Como no período da escravização, ela utiliza as
canções do povo preto na diáspora para dialogar a cerca dos conflitos e repressões,
assim como articular estratégias de resistência entre seus iguais. 
Ela utiliza de rimas e sintonia na voz para contar das experiências nascidas no quilombo, como também para falar dos conflitos de retirada que a comunidade Rio dos Macacos enfrenta
Também é uma das formas de reunir os quilombolas para tecer as relações de solidariedade e afeto, celebrar identidades, organizar estratégias de permanência e enfrentamento, assim como compartilhar paradigmas culturais e linguísticos.

As memórias sobre construção familiar carregam distintas experiências no cotidiano da sociedade. As famílias formadas entre os negros escravizados muitas vezes contavam com a presença da matrifocalidade, grupo existente com a presença da mãe e dos filhos, em geral o pai era ausente. Estender a família, ainda que não tenham laços consanguíneos, é articular uma rede de solidariedade para proporcionar maior amparo e suporte uns aos outros. Desde o princípio da escravidão, a família esteve no mundo rural. Muitas migraram para os quilombos urbanos, hoje nomeados de periferias, favelas e/ou subúrbios. Mas muitos continuam nos espaços rurais, criando e recriando a própria cultura, multiplicando e espalhando transmissão de saberes entre as gerações. Na comunidade remanescente de quilombo, o Rio dos Macacos, os moradores, que também formam uma família, trocam instruções de pesca, agricultura e artesanato, métodos para subsistência populacional a partir da oralidade.
A comunidade vive por si desde seu primórdio, não recebe nenhum tipo de auxilio do Estado. Com o trabalho na agricultura consumem os próprios produtos plantados nas terras quilombolas e/ou comercializam fora da comunidade, nas feiras da cidade. Isto quando não há interferência no deslocamento. Outra grande aliada da comunidade é a eficácia da medicina tradicional, oriundo dos antepassados africanos, que trata  necessidades físicas, mas também visa o equilíbrio entre corpo, ambiente cultural e mundo energético, auxiliando no processo de cuidado do quilombo. Com  predominância de mulheres, rezadeiras e curandeiras utilizam dietas, jejuns, ervas terapêuticas, banhos e massagens para cuidados. Proteger os conhecimentos e habilidades tradicionais é caminho pelo qual os quilombolas acessam cuidados a saúde e prevenção e tratamento de doenças. 
 A força feminina finca a conservação dos povos remanescentes do quilombo Rio dos Macacos. Rosemeire Santos, uma das principais lideranças da comunidade, recorda memórias da sua mãe e os processos de gestação e trabalho de parto, onde era auxiliada pelas parteiras, que normalmente chegavam quando o trabalho de parto já tinha terminado, mas ajudavam no corte do umbigo da criança. As mulheres quilombolas comumente utilizam das parteiras para chegada das novas gerações. Rosimeire com seu poder matriarcal é mãe de duas meninas, Graziele e Franciele. Sempre buscou contribuir para o processo de formação e afirmação da
identidade quilombola das filhas. 
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Tratar das memórias das mulheres negras quilombolas é estender a discussão sobre o impacto deixado pelo tráfico atlântico. Sobretudo a predominância do sexismo nas diversas relações. Compreender que tanto na escravatura como na “emancipação” as experiências vivenciadas por homens e mulheres negras não foram e não são as mesmas. As mulheres do quilombo Rio dos Macacos são provedoras e protetoras da comunidade. Nomeadas e atuantes nas lideranças, referências como a Rosimeire e a Albetina (Biu do samba), proliferam um movimento de libertação e continuidade das gerações quilombolas, elas são essenciais na existência da comunidade. Atrevem-se a desafiar a masculinidade brutal e opressora do Estado na luta por permanência nas
terras ancestrais. Sejam nas entrevistas, aparições públicas, reuniões, trabalhos acadêmicos, elas enfrentam diretamente as discriminações e contribuem com afeto maternal para visibilidade, identidade e memória do quilombo Rio dos Macacos.
 
Ano da Pesquisa: 2019
Orientação: Professor e Doutor Suênio Campos de Lucena 
Escrita e Fotografia: Naiara Barros
Pesquisa realizada para o Programa Afirmativa | Universidade do Estado da Bahia 
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