Luzes da Cidade
Crônica escrita em 30 de novembro de 2021
Foto: Ponte Octávio Frias de Oliveira (SP). Fonte: Wallpaper Cave
Certo dia estava recordando um fato que sempre prendia minha atenção durante a maratona universitária que incluía a saída do trabalho, acompanhada pela dança das baldeações metroviárias e seguida pela procissão ligeira, porém silenciosa até as aulas noturnas: as luzes da cidade.

Afinal, de que luzes estamos falando? Ora, todas elas! Prédios que através de seus vidros espelhados revelam cubículos vivamente iluminados e ocupados, contrastando com escritórios tomados pela penumbra e que se intercalam uns aos outros como se formassem uma estampa xadrez.

Fora deles, transeuntes desatentos com as luzes de seus celulares disputam o direito de passagem com motoristas impacientes, a depender da vontade imperiosa do semáforo. Ou pelo menos é assim na teoria.

E o que falar dos ocupantes destes transportes? Seja o particular ou coletivo. Aquele que olha para o brilho da sua tela particular ou os anúncios piscando na esquina.

Talvez em um primeiro momento a paisagem descrita acima pareça somente uma casual cena urbana formada por um mosaico de luz e sombra graças à magia da física óptica. Nada de especial para se notar.

Será mesmo?

De fato, acredito que se treinarmos nosso olhar para uma análise mais atenta será possível perceber que por trás deste aparente véu de banalidade, há uma fonte inesgotável de histórias que clamam por serem ouvidas.

Tomemos como exemplo os indivíduos solitários das salas comerciais. Será que precisam fazer hora extra ou simplesmente simpatizam com o estilo “workaholic”? Serão eles os chefes exemplares ou os funcionários dedicados que se mantêm a postos enquanto os supervisores aproveitam o conforto do lar? Será que alguém espera por eles ou o trabalho virou seu único confidente?

Os pedestres que perambulam pelas calçadas irregulares. Estarão eles planejando um merecido descanso para o fim de semana ou será que, tal qual seus passos, estão vivendo em piloto automático?
Foto: Avenida Brigadeiro Faria Lima (SP). Fonte: Veja
E a mesma lógica se aplica àqueles que dirigem pelos asfaltos desgastados ou aos passageiros em transe com o ambiente à sua volta. No que estão pensando? Nas contas a pagar ou em seu grande amor? Quais são os seus conflitos?

Sei que são muitas perguntas com possibilidades quase nulas de respostas. Além do mais, seria uma demasiada inconveniência sair do campo das suposições e ficar metendo o nariz onde não foi chamado.

Em todo caso, ainda é um bom exercício a se fazer principalmente para enxergar a vida pela perspectiva do outro. Será que, se eu estivesse em seus lugares, eu agiria como as pessoas que observo? Tomaria um rumo diferente? É o tipo de indagação que traz à tona as várias nuances de uma mesma situação fora daquela dicotomia rasa de “sim” ou “não”, “certo” ou “errado”.

Por último, mas não menos importante, pôr em prática esta pequena dinâmica me fez notar um outro tipo de luz. Mais discreta e ao mesmo tempo mais poderosa do que aquelas artificiais extravagantes que mais rapidamente se vê nos prédios, veículos e aparelhos móveis. Ela é o sutil brilho que emana nos olhos de cada um de nós.

Da próxima vez que sair, atente-se para esta singela presença no meio do caos urbano. Veja como é radiante o olhar dos sonhadores e como é possível sentir na própria alma a dor nas lágrimas de um coração partido. Perceba como é inspirador a perseverança no rosto dos batalhadores e como se ilumina o semblante dos amantes correspondidos.

Estas são as mais lindas luzes que ecoam pela cidade.

E também as responsáveis por resgatar a nossa humanidade.
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