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O Fim dos Tempos pode ser uma grande MELANCOLIA.


O Fim dos Tempos pode ser uma grande MELANCOLIA. 

Em algum momento da sua vida você já se perguntou ou foi perguntado com o seguinte questionamento: O que faria se o mundo acabasse amanhã? Muitas pessoas respondem de maneiras diferentes a essa pergunta:

- Faria sexo e usaria todas as drogas disponíveis do mundo.
- Gastaria todas as minhas economias em comida e bebida.
- Abraçaria minha família, amigos e os meus pets.

Todos respondem rapidamente sem pensar calmamente no assunto, porém, mesmo de maneira precipitada as respostas nos revelam, em seu amago, que todos queremos e agiremos para saciar os nossos desejos que muitas vezes não revelamos ou nem temos consciência.

Partindo da ideia inicial de um fim eminente o diretor dinamarquês Lars Von Trier produz o filme Melancolia (2011), filme este que faz parte da Trilogia da Depressão em que faz parte Anticristo (2009), o já citado Melancolia (o meu preferido) e Ninfomaníaca (2013) sendo que este último contém 4 horas de duração dividido em dois filmes, além da versão estendida aumentando ligeiramente a duração para 5 horas. Todos os três possuem protagonistas com desequilíbrios psicológicos que podemos classificar como depressão por causa de transtornos no passado - perda de um filho (Anticristo), a eminência do fim do mundo (Melancolia) ou uma psicopatologia que nomeia a obra (Ninfomaníaca).

Antes de se falar de Melancolia é pertinente falar sobre quem é o diretor. Lars Von Trier é um diretor dinamarquês ganhador de vários prêmios internacionais, seus filmes são, no mínimo, controversos, assim como seu histórico, trazendo temas como depressão, violência, niilismo e toques de gnosticismo. Ele também é lembrado como um dos fundadores do Dogma 95 ao lado de outro cineasta dinamarquês Thomas Vinterberg. O Dogma, pode ser resumido, em uma tentativa e desafio de resgatar as formas tradicionais de se produzir filmes, sem o teor comercial do cinema atual e sim, artístico.
Melancolia pode ser chamado daqueles filmes cults que é discutido entre poucos e uma parcela ainda menor gosta. Com sua estética e fotografia diferentes, porém ainda lindas e dignas de se tornarem wallpapers de computador, aliado a um enredo pensado com cuidado e carinho do diretor e atores competentes para realizar a façanha. O filme pode ser descrito, em poucas palavras, como uma linda melancolia.

O longa metragem é construído para que a todo momento o espectador se sinta desconfortável, a câmera de mão tremida, enquadramentos levemente distorcidos e montagens rápidas acompanhadas de uma música, a única que toma maior parte do filme, que te traz sentimentos fortes de tristeza, um combo perfeito para um filme pouco ortodoxo. O enredo, ao lado da fotografia em câmera lenta que enfatiza as expressões dos atores, são as duas coisas que mais me fascinam ao assistir.

O filme conta a história de Justine (Kirsten Dunst que ganhou um prêmio por causa da atuação nesse longa) que irá se casar e sua irmã, já mãe, Claire (Charlotte Gainsbourg) com seu marido John (Kiefer Sutherland). O longa é dividido em duas partes, a primeira nomeada de Justine e a segunda e última, Claire.

A Princesa melancólica encontra o Príncipe doente.

A abertura do filme já nos mostra que será uma obra diferente. Cenas em câmera lenta focada nos atores que carregarão o longa de duas horas, cores frias com uma paisagem que alterna entre uma floresta surrealista que se prende como tentáculos ou cordas a Justine e o jardim onde se passará parte da história. Vemos também amostragens do planeta que se chocara com a Terra, nomeado de Melancolia, ao som de uma orquestral que não há outra definição que não seja... melancólica.

Assistir esse prologo para o que irá acontecer já nos diz que aquilo que iremos devotar as nossas horas não terá um final feliz onde todos saíram cantando e dançando com uma invenção vinda dos mais profundos neurônios humanos chamada de Deus Ex Machina que irá salvar a humanidade de uma catástrofe ao som de We Are The Champions do Queen, não esse não é um filme familiar.

A cena da eminente destruição do planeta em seguida o seu choque contra a Melancolia nos passa a sensação de abandono, desesperança, finidade, destruição e, principalmente, solidão. Não há uma linda explosão a ser observada ao som de Cavalgada das Valquírias de Richard Wagner, mas sim, ao som de Tristão e Isolda, composta também por Wagner, que nos faz lembrar, assim como os dois apaixonados morrem ao final da história, essa, também é uma história sem final feliz onde a Humanidade encontra a Melancolia do fim.
Então por que assistir uma história que o final já é a nós entregue? Bem, Lars nos diz o porquê:

“É baseado na ideia dos filmes em que você sabe o que irá acontecer, por exemplo, quando embarcam no Titanic. E você pensa: “Ah, vai afundar”. Você tem uma noção, já sabe o que vai acontecer, mas ainda vale a pena assisti-lo, pois você não está preocupado com o que vai acontecer, você acompanha os personagens que aprendeu a conhecer, você os acompanha para saber o que vai acontecer e como isso irá influencia-los...” – Lars Von Trier.

Justine: Tristeza é brega.

O primeiro ato se passa, predominantemente, dentro da mansão onde se realiza a festa de casamento dos noivos ao som de Fly Me To The Moon de Frank Sinatra (quase uma piada), a única música letrada. A primeira impressão que temos do casal é que ambos se amam muito trocando, em vários momentos, beijos e caricias apaixonadas. A irmã Claire, mãe e esposa, nos passa a imagem de uma mulher forte que possui tudo planejado meticulosamente, desde o horário de dançar a valsa ao horário de cortar o bolo, todo esse planejamento para a felicidade da irmã que tanto ama. O marido John aparece-nos como um homem rico que possui um fascínio pelas estrelas e as estuda com imenso interesse possuindo um grande telescópio. Os pais das irmãs nos são mostrados, um casal separado, a princípio, de maneira amigável. E por fim, mas não menos importante, Jack (Stellan Skarsgård), chefe da Justine, um homem ambicioso e orgulhoso, padrinho do casamento, que não para de falar sobre trabalho inclusive durante o discurso que fez no matrimonio da sua empregada, a lembrando, várias vezes, da frase que deve dizer para preencher uma marca de um produto que será vendido em breve.

Todos se divertem, o pai Dexter (John Hurt), fazendo suas piadas de tiozão com os garçons, a mãe Gaby (Charlotte Rampling), com o seu humor ácido, recheia, ao lado do ex-marido, a mesa com conversas cotidianas e risadas, porém em 15 minutos de filme começa os primeiros conflitos entre os familiares. Um pai mulherengo, uma mãe que não consegue desejar felicidades a própria filha em seu casamento, pois odeia o ritual, valorizando a ambição no lugar do carinho e afeto, um chefe que só pensa em si mesmo e, uma irmã, de todas as maneiras, tenta manter a festa em ordem para a sua amada irmã.
Tudo isso cai por cima de Justine que tenta de todas as maneiras afastar uma melancolia crescente, afinal, tristeza é brega e cafona. O isolamento é sua tentativa de proteger a si mesma, longos e demorados passeios no jardim noturno – que se tornam cada vez mais frequentes - é sua única válvula de escape de um lugar que se torna mais tóxico a personagem já abalada.

Justine se torna cada vez mais apática, mal reagindo ao que acontece ao redor dela. Corpo mole, procurando se isolar das outras pessoas, pouco receptiva ao contexto social em que está. De todos os lados a noiva é pressionada, dar atenção a Michael que se sente cada vez mais inapto, responder aos convidados, agir como o momento manda e ter os sentimentos que aquele lugar exige:

“Justine: Eu sinto muito, eu tô super animada com a festa e eu sei que custou caro ao John.
Claire: O John é podre de rico, não precisa se preocupar com isso... não se trata de dinheiro (suspira). Eu só achei que fosse o que você queria.
Justine: Eu queria...
Claire: O Michael tentou ganhar a sua atenção a noite inteira e não conseguiu...
Justine: Isso não é verdade... eu sorrir e sorrir e sorrir...
Claire: Você está mentindo para todo mundo!”
Ao procurar consolo na mãe ela é recebida sem nem ao menos a mãe olha-la.
“Justine: Mãe... tô um pouco assustada.
Gaby: Um pouco? (Risada curta) Um pouco, eu já teria saído correndo.
Justine: É outra coisa. Eu... eu tô apavorada... eu tenho dificuldades de andar corretamente. (Segura o choro).
Gaby: Manca mesmo, dá para ver... então vai embora mancando. Pare de sonhar Justine.
Justine: Eu tenho medo...
Gaby: Todos nós temos, apenas ignore! Agora, saia daqui.”

John tenta entender o lado de Justine, mas homem rico e da ciência que ele é acha que a felicidade está na quantidade de buracos que cobrem o seu gigantesco campo de golfe respondendo-a com palavras genéricas: “Seja feliz”.

Justine procura o seu marido, ambos são casados e, a princípio, uno tanto em carne quanto em espirito, é assim que diz no Evangelho, mas as coisas não são assim. Justine tenta ter uma conversa com Michael, dizer a ele o que sente, o que a incomoda tanto que a faz se sentir tão deslocada diante aquela suntuosidade de dinheiro e poder. Entretanto, é nos mostrado, implicitamente, no discurso de Michael feito a Justine que, mesmo com tanto calor e paixão repetindo várias vezes a ela palavras de amor e doçura, Justine não alcançou o coração de Michael que parou apenas no sexo. Inicialmente achamos bonito e fofo as declarações bobas feitas pelo marido apaixonado, porém, vendo por outra perspectiva, tudo que Michael disse é vazio de sentimento e raso de emoção. E mesmo nos momentos em que Michael coloca a culpa em si mesmo por não ter percebido a melancolia crescente de sua esposa ainda não consegue ouvi-la, cego pelo desejo.
Desesperada procura o pai, força-o a ficar em um dos quartos da mansão, dormir lá, diz a ele para tomar café da manhã, fazer a ela companhia, o pai, relutante aceita, porém, no momento em que o procura em seu quarto reservado carinhosamente encontra um bilhete dizendo que este aproveitou uma carona de uns conhecidos para voltar para casa.

Justine, sem marido que a deixou na mesma noite pela incompetência crescente que sentia, sua mãe que não a entende cega pelo orgulho, seu pai que a deixou só, sem emprego pois pediu demissão por não aguentar a pressão do seu chefe resta para a nossa protagonista apenas a irmã que começa a mostrar sinais de cansaço, mas ainda se mantém a tentar ajudar Justine, sua irmã, da forma que pode.

“Justine: Eu tentei Claire.
Claire: Eu sei que tentou... tentou de verdade.”

Claire – Desespero da Melancolia.

Algum tempo se passa, Claire carinhosamente arruma o quarto da irmã, coloca flores em seu criado-mudo e um chocolate no travesseiro, acalma a irritabilidade e impaciência do seu marido em defesa da irmã que irá chegar porque foi atingida por uma doença não nomeada. Um ambiente tranquilo, mas Claire, sente receio por uma coisa, o Melancolia, planeta que dá título à obra e que finalmente mostra as caras, está se aproximando da Terra. John tenta acama-la, o lindo planeta azul, antes negro, não irá acertar a Terra, pois não acertou Mercúrio e muito menos Vênus como a ciência dos homens previu e que temos que por confiança, afinal, cálculos matemáticos usando de supercomputadores são confiáveis porque sim!

E Justine finalmente chega.

O banho não se torna mais prazeroso, o bolo de carne que tanto gosta tem sabor de cinza, Justine prefere passar os dias no quarto, dormindo. Cuidar do jardim com a irmã se torna um trabalho árduo, sem vontade, não por preguiça, mas sem ânimo. Andar a cavalo se torna um desafio que mistura emoções complexas de irritabilidade e desanimo agudo, mas a irmã se mantém fiel, da forma que pode, na empreitada de ajudar a irmã.
Dias se passam e Melancolia se aproxima da Terra. Os cavalos agitam-se misteriosamente durante a noite ao mesmo tempo em que Justine mostra-se cada dia melhor e mais disposta. O marido assiste o planeta com entusiasmo, tira fotos para recordação, compra até um novo telescópio para vê-lo em alta definição, mas o temor de Claire não diminui.

A parte que sem sombra de dúvidas mais me toca é a conversa em que Claire e Justine tem sobre o Melancolia e a Terra. Claire, tentando manter-se calma, mas as suas feições e cabelos mostram a falta de sono e estresse que sente enquanto do outro lado da mesa Justine come os chocolates tranquila.

“Claire: Essa noite ele vai passar por nós. O John tá tão tranquilo (suspira).
Justine: Isso não te tranquiliza?
Claire: Sim, lógico... O John entende dessas coisas, ele sempre estudou...
(longo silêncio)
Justine: A Terra é maligna. Não precisamos sofrer por ela.
Claire: Como?
Justine: Ninguém vai sentir falta.
Claire: Mas onde é que meu filho vai crescer?
Justine: Tudo que eu sei é que a vida na Terra é perversa.
Claire: Deve existir vida em outro lugar!
Justine: Não existe.
Claire: Como você sabe?
Justine: Eu sei das coisas.
Claire: Ahh sei, você sempre achou que sabia!
Justine: Sei que estamos sós.
Claire: Eu não acho que você sabe de tudo.”

A Justine de Lars é baseada na Justine de Donatien de Sade ou Marquês de Sade (1740 – 1814) famoso escritor por suas obras filosóficas e eróticas que mostram, com uma ironia ácida, a sociedade do ancien régime e pós-revolução de 1789 com críticas pontuais aos costumes e mostra para nós de maneira explicita a irracionalidade humana. Muito além da ideia boba que temos de Sade como apenas um louco sexual que escreve abominações e erotismo barato. Sade, assim como a Justine de Melancolia, entende que a natureza é má, a humanidade é perversa e o universo é uma sala de tortura para o ser humano que é a única espécie que consegue sentir medo sem nem ao menos ver o que teme. Não seria o cosmo um joguete de um Deus que, na realidade, é maligno como teorizou os gnósticos?

A Justine de Sade, garota indefesa e virgem em um jogo sádico da natureza que adora torturar a sua prole revelando ao leitor que as virtudes dos homens são inúteis diante as forças da natureza. A Justine de Von Trier também é indefesa diante da melancolia porque sempre teve certeza de que “a Terra é maligna” e “a vida na Terra é perversa” encerrando com a frase que marca a conversa: “Estamos sós”. Mesmo a comida que mais ama, a mais gostosa tem gosto de cinza ao se chocar com a realidade fria do “não há esperanças para nós”.

A profetiza do fim encontra a razão humana. Justine não tem nada a perder, ela já não tem mais nada! Claire sim! Tem um marido que ama e tem um filho que quer ver crescer, tem um lugar lindo para morar e um cavalo forte para montar. O desespero dela é justo, afinal ninguém quer perder todas as coisas a sua volta, material ou imaterial.

A marca mais física dessa dúvida, a validade da vida e seus infinitos rituais inúteis, (que muitas vezes me assola) se mostra no caminhar pesado e arrastado que temos, o medo do fim. A duvida e o medo que todos tem dos pessimistas é, se no final de tudo, alguém se perguntar: E se eles têm razão? E se a tristeza fosse o único sentimento para a vida? Se os melancólicos tiverem razão “ninguém vai sentir falta” de nós.

Quando finalmente se comprova a inevitabilidade do choque e por consequência da “dança da morte” Justine se mostra a que mais possui coragem, não se livra da ideia da morte eminente, o Universo, para ela, apenas deixou de mentir sobre si mostrando-a que o fim é inevitável. Assim como uma noiva despisses para o marido na noite de núpcias para consagrar o ato do casamento, da união, Justine tira as suas roupas para consagrar a união entre ela e o planeta, uma declaração de amor a morte.

A primeira parte do filme devota-se a mostrar a tristeza, em termos filosóficos, a melancolia crescente de Justine que tenta de todas as maneiras esconde-la, transtornando-se como consequência, na segunda parte temos uma Justine confiante e corajosa, porém ainda melancólica, uma melancolia adulta e madura. Então, ao contrário do que se esperaria ou que parecia, Melancolia não é um filme sobre depressão e seus problemas, mas uma história sobre a melancolia do existir. Nas cenas finais, Justine após negar o pedido da irmã que queria terminar suas últimas horas bebendo, ouvindo música clássica para manter-se feliz leva o filho de Claire para montar uma improvisada barraca feita de galhos encontrados na floresta porque de que adianta cercar-se de riqueza se no fim, na morte, nada sobra?

Assim como o prologo, o fim é catártico para nós, ínfimo para o Universo, o planeta a que me refiro várias vezes durante o texto efetua sua dança ao som do silêncio do Universo, Tristão encontra Isolda, Melancolia encontra a Terra.
O Fim dos Tempos pode ser uma grande MELANCOLIA.
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O Fim dos Tempos pode ser uma grande MELANCOLIA.

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