colagem paisagem: siena medieval

SIENA MEDIEVAL: a cidade como locus da memória coletiva
De acordo com a coluna Viagem e Turismo da revista Abril (2016), Siena é uma cidade “[...] cercada por vinhedos dos quais se extraem estupendas garrafas do autêntico Chianti e faz jus à fama de lugar romântico dos que só se encontram na Toscana, com seu Centro Histórico medieval muito bem preservado [...] vista de cima, Siena parece um labirinto, de tão estreitas que são muitas de suas charmosas vielas”.  

Entretanto, essa descrição urbana e arquitetônica encontrada na maioria dos sites de busca apresenta apenas uma das facetas da cidade. É uma imagem consagrada do medievo que não retrata todas as camadas e realidades dos diferentes grupos pertencentes à cidade de Siena - mas que auxiliam na fomentação do turismo e da economia local.

A invisibilização de determinados grupos sociais é um fator que pode ser observado de forma recorrente em diferentes cidades e contextos, visto que as memórias e ideologias hegemônicas que são impressas na arquitetura e desenho das mesmas são um reflexo e artifício centralizados nas mãos de quem detém o poder. No caso de Siena medieval: a igreja católica, a burguesia agrícola e o caráter pré democrático da cidade - todos fundamentados por homens cristãos detentores de terras. 

Esse fenômeno é abordado na história em quadrinho O Edifício do quadrinista estadunidense Will Eisner, em que quatro fantasmas se reúnem em frente a um antigo edifício que será demolido, contando a sua história apagada com o locus. Mais do que isso, a história convida o leitor a refletir sobre as centenas de vidas que compõem uma arquitetura e os indícios que as mesmas o fazem. 

Diante deste pressuposto, ao analisar a história da cidade de Siena, é possível perceber algumas contradições entre a imagem medieval perpetuada da mesma e a sua realidade apagada.

Um exemplo dessa memória materializada é a Torre del Mangia. Diante de uma Europa baseada em monarquias e feudalismo, a construção dessa torre expõe a política  democrática da cidade, ressaltando o seu caráter de inclusão como registro das demandas contemporâneas ao seu tempo de concepção. Contudo, ressalta-se que no medievo o poder estava concentrado nas mãos do patriarcado e suas ideologias. 

A Piazza del Campo, com sua localização central, foi projetada a fim de exprimir o ideal de união e paridade entre os membros da sociedade civil. Entretanto, até os dias de hoje, o festival anual do Palio que acontece neste ponto da cidade não inclui mulheres. Um evento que, no contexto urbano teórico, materializa a justiça, a união e o convívio social.

O retrato já escasso da mulher na época medieval encontra-se submisso à detenção do poder de fala pelos homens, diante da cultura patriarcal rigidamente respeitada nesse período. Este rebaixamento da figura feminina se contradiz às imagens santificadas da Santa Catarina de Siena e da Virgem Maria - que conseguiram ascender socialmente através da religião. Tais ícones religiosos femininos eram altamente venerados e adorados, tornando-se símbolos para a cidade e perdurando até os dias atuais - questão reforçada com a cabeça mumificada da primeira e com o fato de que a segunda é considerada a santa protetora da cidade, explicitando a percepção da mulher como ícone vinculado à vida recatada e casta. 

Ademais, a religião católica também exerce essa relação de exclusão em relação às religiões minoritárias da cidade. Com o judaísmo, por exemplo, Siena se posicionou como uma cidade aberta, permitindo a criação do bairro de Salicotto, na região central entre a Piazza del Campo e a Piazza del Mercato. Todavia, a escolha desta localização foi feita a fim de assegurar que o governo teria fácil controle sobre o crescimento populacional, devido à proximidade com os espaços administrativos, assim como o destaque para os grandes monumentos religiosos como a Piazza del Duomo, que salienta o cristianismo.

Também é possível observar diversas tentativas históricas de minimizar a circulação e inclusão dessas pessoas, mantendo-as restritas à região de comércio e com proibições de circulação em dias específicos - como no dia em que se comemora a Páscoa. Ressalta-se ainda que Salicotto tinha ainda uma metade ocupada por cristãos, que tinham plena liberdade em Siena.  

A temática abordada na colagem, portanto, procura ressaltar as contradições estabelecidas pela cidade de Siena, cujo ideal de justiça e igualdade - difundido na idade média - não eram desfrutadas por aqueles que não detinham o poder.

REFERÊNCIAS​​​​​​​
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Trabalho final da disciplina de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo V, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiter Read More

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